sábado, 6 de abril de 2024

Ziraldo partiu, Senhor! , por Manassés Filho

 


Lá estava a notícia! Hoje, 06/04, às 15h, faleceu em casa, em um apartamento no bairro da Lagoa, na Zona Sul do Rio, o cartunista, Ziraldo.

Um dos meus primeiros pensamentos após lamentar a morte do grande Mestre, foi uma certa tranquilidade por saber que ele partiu dormindo. 


É estranho compor um texto sobre alguém que não se conhece, mas que de alguma forma se fez tão presente desde a minha infância. Sendo assim, descrever a genialidade de Ziraldo é uma tarefa homérica tanto por sua importância artística, diversidade de estilos e sua riqueza textual.


Nascido em 24 de outubro de 1932 em Caratinga (MG),era o mais velho de uma família com sete irmãos. Seu nome incomum era fruto da combinação do nome da mãe (Zizinha) com o nome do pai (Geraldo).

Desde criança despertou interesse pelas artes, e aos seis anos teve seu primeiro desenho publicado no jornal “A Folha de Minas”.

Esse primeiro contato entre sua arte e jornal veio a se consolidar em 1950, com o início de sua carreira ao publicar na revista “Era uma vez...” e quatro anos mais tarde, vem a produzir uma página de humor para o jornal “A Folha de Minas.


Em 1957, formou-se em Direito na Faculdade de Direito de Minas Gerais, em Belo Horizonte. No mesmo ano, entrou para o time das revistas “A Cigarra” e, depois, a icônica “O Cruzeiro”. Em 1958, casou-se com Vilma Gontijo, sua namorada tinha sete anos e com ela nasceram seus filhos Daniela, Fabrizia e Antônio.


Na década de 60, destacou-se por trabalhar também no “Jornal do Brasil”. Assim como em “O Cruzeiro”, publicou charges políticas e cartuns. São dessa época os personagens Supermãe, Mineirinho e o emblemático e ainda atual, Jeremias, O bom, que apresenta uma bem-humorada crítica à sociedade e seus bons costumes.

Um fato curioso nesse período, é que em paralelo a sua produção dos citados personagens, ele concretizou seu sonho de infância ao produzir de forma autoral suas histórias em quadrinhos que fazia uma grande homenagem a riqueza do folclore de nossa Terra Brasilis, nascendo assim a “Turma do Pererê”, que apresenta as aventuras de personagens como a como a onça, o jabuti, o tatu, o coelho e a coruja

Sua ampla e crítica visão em relação ao seu país, o conduziram a fundar com outros humoristas na mesma década o icônico “O Pasquim”, que com um misto harmônico entre textos, humor, ilustrações, deboche, crítica e personagens inesquecíveis, como o Graúna, os Fradins ou o Ubaldo, o semanário entrou na luta pela democracia e consolidou-se como um dos principais veículos a combater a ditadura militar no Brasil.


Para ter uma ideia da grandiosidade da publicação, o grupo era composto por nomes como: Millôr Fernandes, Henfil, Jaguar, Tarso de Castro, Sérgio Cabral, Ivan Lessa, Sérgio Augusto, Paulo Francis Chico Buarque, Antônio Callado, Rubem Fonseca, Odete Lara, Gláuber Rocha e diversos intelectuais cariocas. E com essa junção de diversos talentos e temas, O Pasquim, transformou-se em um grande fenômeno editorial que inicialmente teve uma tiragem de 20 mil exemplares e chegou a atingir a marca de mais de 200 mil em seu auge, em meados dos anos 1970, se tornando um dos maiores fenômenos do mercado editorial brasileiro.

Mas uma publicação como essa não passaria em branco para órgãos de censura da época, e um dia depois do AI-5, baixado em 13 de dezembro de 1968, Ziraldo foi detido em casa e levado para o Forte de Copacabana, mas essa ação não abrandou sua veia crítica.


Seu maior sucesso, “O Menino Maluquinho”, saiu em 1980 desde sua primeira publicação, teve 129 edições, foi publicado em mais de 10 países, vendeu mais de 4 milhões de exemplares. Considerado um dos maiores fenômenos do mercado editorial brasileiro em todos os tempos e que foi adaptado para o cinema em 1995, ganhou uma continuação em 1998 intitulada de Menino Maluquinho 2 - A Aventura, em 2006, ganhou  a série, Um Menino Muito Maluquinho, com 26 episódios, sendo exibida pela TV Brasil e  2022 foi produzida uma série animada para a Netflix que acabou concedendo uma indicação ao Emmy 2023 na categoria “Melhor Animação Infantil”.

Entretanto, Ziraldo, era um multiartista com produções que vão além das HQs, em 1969, publicou seu primeiro livro infantil, “FLICTS”. Em 1979, passou a se dedicar à literatura para crianças com obras que mesclavam o lúdico e o educacional como “O alfabeto do Ziraldo” e mais o recentemente o belo e poético “Menina Nina - Duas Razões para não chorar” que foi escrito para ajudar a explicar para a neta Nina sobre a morte da avó, Vilma, que foi mulher do cartunista.


Outro ponto da carreira pouco conhecida de Ziraldo, foram as incríveis composições de cartazes de filmes nacionais durante os anos 60, entre eles, estão para o filme “Os Fuzis” (1962), de Ruy Guerra; “Assalto ao Trem Pagador” (1962), de Roberto Farias; “Boca de Ouro” (1963), de Nelson Pereira dos Santos; “Todas as Mulheres do Mundo” (1966), de Domingos de Oliveira. 

O mais interessante desta fase é que muitos deles passam longe de seu característico estilo de desenho e denotam sua versatilidade,

Porém, entre suas obras, uma delas chama a atenção por sua ousadia, o imponente Mural do Canecão, por muitos anos a principal casa de shows do Rio de Janeiro e uma das principais do Brasil. 


O mural foi produzido em 1967, ao longo de seis meses de trabalho, e ainda hoje chama a atenção pelo estilo inspirado nos traços de pintores como Pablo Picasso e Cândido Portinari.


Nele podemos ver uma "Santa Ceia" regada a cerveja, em um cenário carioca. Na época, em 1967, em pleno regime militar, a obra foi alvo de críticas e considerada transgressora.


E na fala do próprio Ziraldo “Tem a Arca de Noé com os bichos, tem os Arcos da Lapa, tem a vista do Papa ao Rio de Janeiro. Tem as cariocas chegando para a festa, animadíssimas. Tem o cara celebrando na mesa de bar. Tem o sujeito de porre, tem o cara dando cachacinha para o santo. Tem toda uma visão brasileira sobre o ato de beber. Não tem ninguém comendo. Estão todos comemorando. Tem muitos brindes” diz Ziraldo.

Considerada uma das maiores obras murais do país, com 32 metros de largura por 6 metros de altura, o painel é considerado uma das obras primas de Ziraldo, um homem que viveu e produziu intensamente seu amor à arte e que mesmo nos deixando, seu legado acompanhará inúmeras gerações.



19 comentários:

  1. Ótimo artigo, Manasses. O Ziraldo se sentira honrado por ele, onde estiver

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    1. Obrigado! Que possamos sempre reconhecer em vida e sempre lembramos com a partida.

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  2. Preciso, detalhado, justo e afetuoso seu depoimento.

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    1. Muito obrigado. Que a arte deixada pelo mestre, Ziraldo, sempre possa nos inspirar em nossa criatividade, alegria e renovação.

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  3. Muito bom!!! 👏🏼👏🏼👏🏼

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  4. Excelente texto, em honra ao genial Ziraldo. Parabéns!

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    1. Perdão, postei sem fazer login...

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    2. Oi, Freitinhas, não se preocupe. Fico feliz que tenha lido e gostado do texto

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  5. Muito bom meu amigo Manasses👏👏👏👏👏

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    1. Feliz pela receptividade, mestre, Ailton! Que as mensagens existentes na obra de Ziraldo sempre sejam capazes de transformarem nossa jornada.

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  6. Parabéns, Manassés, seu texto faz uma síntese brilhante do vasto trabalho do Mestre Ziraldo.Tive oportunidade de conhecê-lo pessoalmente quando fui um dos organizadores do Salão Internacional de Campina Grande, na Paraíba. Ao mestre Ziraldo, presente!

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    1. Grande, Ramiro, que grata alegria você ter tido esse encontro com o mestre Ziraldo. Momentos como esse se eternizam e reverberam em nossa vida e na dos que nos rodeiam.

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  7. Parabéns Manasses! Que excelente texto!

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    1. Grato de coração, minha mestra! Que o poder transformador da artes sempre esteja conosco.

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  8. Muito bom , 👏👏👏👏👏👏

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  9. Muito bom! Viva Ziraldo! :)

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