Por Audaci Jr
Recortes baseados na história do inglês
Brian Epstein, o visionário que descobriu, empresariou e guiou os
Beatles a um estrelato internacional sem precedentes, reescrevendo as
regras da indústria da música pop nos anos 1960.
“Se existiu um quinto Beatle, ele foi o
Brian”, afirmou, no ano de 1999, Paul McCartney sobre o empresário que
alavancou a carreira dos quatro rapazes de Liverpool ao estrelato e à
imortalidade na História da música mundial.
Como toda história de banda de rock, há
controvérsias sobre esse “quinto elemento”. O quarteto já teve o
baterista Pete Best e o baixista Stuart “Stu” Sutcliffe no seu palco.
Inclusive este último foi o personagem central do filme Backbeat – Os cinco rapazes de Liverpool (1994) e do álbum Baby’s in black – O quinto Beatle (8Inverso), de Arne Bellstorf.
Para a grande maioria dos fãs, o posto
deveria ser ocupado pelo produtor musical e arranjador londrino George
Martin, mas, independentemente do título oficial, uma verdade é
incontestável: Epstein foi uma das figuras importantes nos bastidores da
criação do Fab Four.
Antes de tudo, deve-se perceber neste
álbum que a maneira como o roteirista Vivek J. Tiwary aborda a
trajetória de Epstein são recortes que não são atados às amarras da
adaptação do mais alto grau de fidelidade. O autor mostra uma liberdade
criativa de contar a história sem perder o foco no protagonista.
De acordo com o posfácio assinado pelo
roteirista, a pesquisa sobre seu “mentor histórico” durou duas décadas,
em consequência do choque que ficou ao descobrir quão pouca informação
havia disponível sobre o empresariado dos Beatles.
Dentre outros recursos, o roteirista colheu depoimentos das pessoas do círculo de amizade e meio social do homem de negócios.
O quinto Beatle acompanha Brian
Epstein desde a sua primeira visita ao The Cavern Club, o primeiro
recanto onde a até então banda desconhecida apresentava seu rock’n’roll,
no começo da década de 1960, até seu investimento empresarial para o
grupo abraçar o mundo com sua música.
Partiu de “Eppy” a ideia do visual da
primeira fase da banda. Os integrantes também eram censurados por ele a
não falar palavrões ou fumar e se comportarem como solteiros. “Adeus”,
jaquetas de couro e jeans; “olá”, ternos impecáveis.
Obstinado e convicto do sucesso desde o
começo, o jovem empresário dizia sempre que os Beatles iriam ser maiores
do que Elvis (há um obscuro encontro entre ele e o grotesco e
implacável Coronel Tom Parker, o agente do “Rei do rock”). Essa meta
arrancava gargalhadas das gravadoras, que não contavam com seu tino para
os negócios.
Epstein chegou a comprar milhares de
discos para a loja da família que administrava em Liverpool, a Nems, e a
pedir aos funcionários que ligassem constantemente para as rádios para
que Love me do ou Please please me subissem nas paradas britânicas.
Num dos momentos mais criativos da
narração da obra, Brian é colocado diante de três momentos distintos da
sua vida – no exército, na gravadora e no ateliê de alta costura –, e
todos convergem para uma única sentença que prova o quanto ele tinha
força de vontade para seguir em frente.
O autor também preenche lacunas pouco
conhecidas em momentos cruciais da carreira dos Beatles. Uma delas é a
negociação surreal de Epstein com Ed Sullivan para trazer os Beatles
para a América, há 40 anos. Na visão de Tiwary, as propostas e
contrapropostas foram discutidas entre o empresário, o apresentador de
TV e um boneco de ventríloquo, que dava voz a Sullivan.
O roteirista até “tira onda” dessa
passagem no posfácio, deixando no ar se ela existiu ou não. Além disso,
levanta outras questões capitais abordadas no álbum, como a gravidez da
namorada de Lennon, Cynthia, e a misteriosa assistente pessoal Moxie.
Recursos como esses são comumente usados
em adaptações cinematográficas, mas também aparecem no mundo das HQs.
Um exemplo é o quadrinhista alemão Reinhard Kleist no álbum Johnny Cash – Uma Biografia (8inverso) misturar as letras da música com a vida do cantor e compositor.
A força motriz em O quinto Beatle
é captar a essência de um homem de vanguarda. Para este fim, vale o
exercício criativo, principalmente porque o personagem não é apenas um
bondoso ser humano. O pior inimigo de Brian Epstein é o próprio Brian
Epstein.
Solitário e homossexual em uma época que
havia leis na Inglaterra que coibiam severamente a “opção” sexual (que
foi derrubada um mês antes de sua morte prematura, aos 32 anos), Brian
teve um envolvimento maior com drogas prescritas por vários médicos para
diminuir sua ansiedade, insônia, solidão e ajudá-lo a lidar com o
“outro problema” das “tendências íntimas”.
Além de ter permanecidoquatro semanas consecutivas na lista dos mais vendidos do jornal The New York Times, O quinto Beatle recebeu este ano duas indicações ao Eisner Awards, nas categorias de Melhor Trabalho Baseado na Vida Real e Melhor Pintor/Artista Multimídia, para Andrew C. Robinson.
Uma arte em belíssimas aquarelas que são
um show à parte. Com pleno domínio de composição e diagramação
dinâmica, o traço de Robinson – naturalista e cartunesco ao mesmo tempo –
fortalece ainda mais a transmissão de liberdade criativa desvencilhada
dos grilhões racionais que a obra pede.
Um dos destaques são as páginas do
assassinato do presidente Kennedy, que deram muito trabalho ao artista,
como confidenciado nos extras da edição, principalmente por causa da
busca de movimento.
Com o processo de criação também
pormenorizado no final do livro, a capa traduz e resume o que foi a vida
do personagem principal: um toureiro que tentava domar os obstáculos
intransponíveis, que agiu nos bastidores com os pés no chão enquanto
alavancava seus “meninos de ouro”. Uma pessoa solitária que queria
atenção e amor, mas abdicou disso para focar na maior tourada de sua
vida, tão trágica e dramática quanto recitar Shakespeare.
Além das aquarelas de Robinson, a HQ conta com uma participação do premiado Kyle Baker (de Plastic Man),
que ilustra com um traço mais cartunesco e estilizado as bem-humoradas
páginas da desastrosa turnê dos Beatles pelas Filipinas, em 1966.
O título marca a entrada da Aleph
no universo editorial dos quadrinhos. Bem cuidada, a edição tem um
formato que chama a atenção (21 x 31 cm), capa cartonada com orelhas,
ótima impressão em papel couché fosco de altíssima gramatura (170g) e um preço bastante convidativo, pela qualidade gráfica.
A edição ainda tem introdução do cantor
Billy J. Kramer, texto do ex-empresário e produtor dos Rolling Stones,
Andrew Loog Oldham, uma carta do ativista Howard Cruse, da Freedom To Marry,
organização que faz campanha pelo direito ao casamento homossexual nos
Estados Unidos, além de extras como o processo artístico de Andrew
Robinson, memorabilias de colecionadores e amigos de Brian Epstein, e
uma bem-vinda seção de notas da edição brasileira escritas pelo tradutor
Delfin.
Apesar de não prejudicar a leitura, o
volume tem alguns escorregões de revisão: um “que que” na página 54, um
“IEU…” na 95 e um “…filhos encantadores, Kavi ‘and’ Nandini…” na
biografia de Vivek Tiwary.
Além disso, o autor cometeu um equívoco
histórico: situou a morte de Epstein, em 27 de agosto de 1967, quando
John, Paul, George e Ringo faziam um retiro espiritual na Índia. Na
verdade, no fatídico dia, os rapazes de Liverpool estavam em Bangor, no
País de Gales, para serem iniciados em meditação transcendental por
Maharishi Mahesh Yogi.
Outra liberdade do autor? Para Tiwary, um produtor de cinema, TV e espetáculos da Broadway, seria até justificável…
O quinto Beatle é uma síntese
do que foi amar um sonho, vivendo intensamente o objetivo – e não a
vida, que foi sacrificada na arena – até que o tal sonho simplesmente
acabasse um dia.
Autores: Vivek J. Tiwary(Roteiros) e Andrew C. Robinson e Kyle Baker(Arte)
Formato 21 x 31 cm, 168 páginas,
Preço:R$ 59,90
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Comic House
Av. Nego, 255, Tambaú (João Pessoa-PB)
Telefone:(83) 3227 0656
E-mail:vendas@comichouse.com.br
Twitter: @Comic_House
(Publicado originalmente no site Universo Hq no dia 06 de junho de 2014)
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