Por Audaci Jr
Apesar de parecer um típico garoto de 13 anos, Timothy Hunter tem o potencial para se transformar no maior mago da Era Moderna.
Mas para escolher entre aceitar a sua poderosa sina ou dar as costas e viver como um mundano, Tim deve ser apresentado para a magia, mesmo não acreditando nela ou sendo alvo involuntário de quem a pratica, em especial uma irmandade denominada Chama Fria.
No intuito de proteger e, ao mesmo tempo, instruir o garoto sobre seu possível futuro, quatro dos maiores e mais misteriosos magos preparam uma jornada para demonstrar os perigos, o preço e as recompensas da magia.
Um jovem inglês de cabelos escuros, óculos e com uma coruja a tiracolo, com potencial para ser o maior bruxo de todos os tempos. As características pertencentes a Timothy Hunter poderiam muito bem se encaixar a Harry Potter, personagem criado pela britânica J.K. Rowling posteriormente à minissérie criada por Neil Gaiman, originalmente lançada entre os anos 1990 e 1991.
Para quem ainda acredita na polêmica, o próprio Gaiman já sentenciou o suposto plágio. “Eu disse a Rowling que achava que nós dois estávamos roubando de T.H. White (famoso escritor britânico da série Outrora e Futuro Rei): bem diretamente”, afirmou o criador de Sandman, em entrevista a revista January, em 2001.
Sobre o tema, Gaiman já rasgou roteiros por causa dessas coincidências, visto na introdução para a edição brasileira do Sandman # 32 (Editora Globo), o início do arco Um jogo de você. O motivo foi estar sintonizado involuntariamente com as ideias do romancista Jonathan Carroll, que o incentivou a continuar lembrando que todas as histórias já foram contadas e o mais importante é como cada escritor as abordará.
Independentemente da discussão de quem surgiu primeiro, a Panini publica a edição definitiva da minissérie que não só apresenta o protagonista adolescente, mas também vislumbra o universo mágico do Universo DC três anos antes da criação do selo Vertigo, emancipando personagens “para leitores maduros”.
De certa forma, é a “primeira” vez que a obra é produzida já compilada no Brasil. Tanto a Abril(que lançou a minissérie em 1991) quanto a Opera Graphica (que republicou o material em 2002) aproveitaram os encalhes das quatro edições e colocaram nas prateleiras (em 1992 e 2005, respectivamente) os encadernados das sobras das bancas e livrarias.
A ideia inicial da obra partiu da editora Karen Berger, que perguntou por telefone para Gaiman – o jovem escritor que já chamava atenção na época por causa de Sandman – se ele não gostaria de fazer um “quem é quem” no lado mágico da DC. Depois de desligar alertando a editora para “deixar de ser boba”, o autor refletiu uma maneira de a proposta dar certo e voltou a telefonar para Berger.
O resultado não é apenas um “passeio” pelos seres e praticantes da arte e ciência da magia, mas uma história sobre escolhas e um canal para outras narrativas de Neil Gaiman, principalmente sua maior criação, o Lorde Morpheus.
Pela primeira vez foi reunida a Brigada dos Encapotados (que teve uma minissérie homônima publicada no Brasil em 2001, pela Brainstore), formada por Vingador Fantasma, John Constantine (responsável pelo batismo do quarteto), Doutor Oculto e Mister Io (esses dois últimos mais “obscuros” como personagens do Universo DC).
O Vingador, inclusive, foi uma dos personagens que Gaiman queria escrever na época em que foi contratado pela editora norte-americana, mas ele já estava nas mãos de Alan Kupperberg. Sobrou para o escritor e o artista Dave McKean a Orquídea Negra e o que restou foi história.
Cada capítulo da jornada de Tim Hunter em Os livros da magia foi feito por um artista diferente, sendo protagonizado por um “tutor” diferente. Gaiman chegou a explicar que não concedeu a obra como Sandman, em que ele era um “ditador benevolente”: desta vez, deu mais liberdade narrativa para cada desenhista brilhar.
A primeira parte traz a pintura hiperrealista de John Bolton, responsável pela arte de A paixão do Arlequim (com roteiro de Gaiman) e Marada – A mulher-lobo (cocriação de Chris “X-Men” Claremont), dentre outras.
Junto com o Vingador Fantasma, Hunter viaja ao passado, descobrindo a gênese da magia e fatos como a verdade sobre a Atlântida e a queda dos anjos que se rebelaram contra Deus, incluindo Lúcifer Estrela da Manhã, que desempenhou papel importante em um dos principais arcos de Sandman, A estação das brumas, e protagonizou um título solo da Vertigo.
Bolton faz o passeio pelas civilizações com enquadramentos mais abertos e splash pages(quadros de página inteira), com momentos cheios de simbolismo e participações de um jovem Merlin, Sr. Destino, o ilusionista Zatara (pai de Zatanna) e Sargon, o feiticeiro.
No segundo capítulo, o cinismo de John Constantine conduz o jovem ao mundo da magia no presente. Os perigos são mais palpáveis e Tim Hunter sai do comodismo de um espectador, já que o culto Chama Fria coloca sua cabeça a prêmio.
O desfile de personagens é maior nesse tomo, com a arte mais impressionista de Scott Hampton (da série Lúcifer) apresentando personagens como Espectro, Madame Xanadu, Barão Winter, Jason Blood (que está preso fisicamente ao demônio Etrigan) e Zatanna, além das pitadas de humor promovidas por Boston Brand, vulgo Desafiador.
O ápice da edição é uma assustadora festa de Halloween frequentada por vilões sobrenaturais do Universo DC, na qual Neil Gaiman dá muita moral a Constantine.
O mundo “encantado” de Faerie mostrado pelo Dr. Oculto é a premissa da terceira parte, com a delicada arte de Charles Vess.
Essa é a deixa para que Gaiman entrance o universo de Sandman, com a aparição do próprio. Quando Tim Hunter visita o palácio da Rainha Titânia, o leitor descobre o que aconteceu com Hamnet, filho de Shakespeare. Na história Sonho de uma noite de verão, em Sandman # 19(edição desenhada por Vess e vencedora do World Fantasy Awards), o autor deixou nas entrelinhas que a sorrateira e maliciosa soberana de Faerie tinha levado o garoto para servi-la.
O mercado em Faerie serviu também de base futura para Stardust, livro ilustrado de mais uma parceria Gaiman e Vess, lançado no Brasil em 2001, pela Conrad, e em 2007, pela Pixel Media.
Alguns elementos também apareceriam na série mensal de Os livros da magia – já sob o seloVertigo – que durou 70 números nos Estados Unidos (de 1994 a 2000). Por aqui, algumas edições escritas por John Ney Rieber (da fase do Capitão América posterior ao 11 de setembro e da minissérie A Brigada dos Encapotados) e Peter Gross (desenhista de Chosen e O Inescrito) foram publicadas pelas editoras Abril, Metal Pesado, Tudo em Quadrinhos e Atidude.
No último tomo, com uma diagramação pouco inspirada de Paul Johnson, Mister Io leva Hunter para o futuro até o final dos tempos, onde o garoto encontra mais dois dos Perpétuos, os irmãos de Sandman.
Verdadeiro guia, a maneira como Neil Gaiman conduz a narrativa tem uma eficiente química nos diferentes traços dos artistas, mesmo para quem não sabe sobre as origens dos personagens que passeiam pelas páginas do encadernado. Mas a obra funciona melhor para quem tem um conhecimento maior dos horizontes da ala mágica da DC.
Completando a edição luxuosa de Os livros da magia, com direito a um preço atrativo e capa dura, as capas originais divisando as quatro partes, uma introdução assinada por Roger Zelazny – autor de fantasia e ficção científica morto em 1995 (dois anos depois de escrever o texto) –, e esboços inéditos de Vess e Johnson.
Lá fora, o trabalho de Gaiman rendeu várias séries inéditas no Brasil, como Hunter – The age of magic e Books of magic – Life during wartime, além de seis adaptações em prosa (incluindo a minissérie original) por Carla Jablonski, lançadas em português pela editora Europa-América.
Os Livros da Magia
Autores: Niel Gaiman(Roteiro), John Bolton(desenhos), Scott Hampton(desenhos), Charles Vess(desenhos) & Paul Johnson(desenhos)
Capa Dura - 212 páginas
Formato: 17x26cm
R$ 25,90
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(Publicado originalmente no site Universo HQ no dia 01 de novembro de 2013)