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Pinup do detetive Diomédes por Rafael Grampá. |
Diomedes é um delegado aposentado, gordo e cínico. Em busca de uns trocados para completar o orçamento, ganha a vida como detetive particular, apesar de nunca ter resolvido um caso.
No entanto, ao partir no encalço do há muito desaparecido mágico Enigmo, o detetive mequetrefe encontra figuras bizarras, envolve-se com elementos circenses, situações surreais, veneno, um assassino serial, perseguições, uma convenção de quadrinhos e uma viagem a Portugal.
Lourenço Mutarelli tinha o seu nome bem visível nas histórias em quadrinhos nacionais quando lançou o primeiro volume das aventuras do detetive Diomedes, O dobro de cinco, em 1999. Já havia lançado obras como Transubstanciação (Dealer, 1991), Desgraçados (Vidente, 1993), Eu te amo, Lucimar (Vórtex, 1994), Confluência da forquilha (Lilás, 1996) e a coletânea Sequelas (Devir, 1998).
Os quatro álbuns que compõem a “trilogia do acidente” (ganhou essa alcunha quando o último volume foi dividido em dois por ser mais volumoso) ganharam forma bem antes de sua incursão na literatura – que se daria em 2002, com o lançamento do romance O cheiro do ralo, originando também uma adaptação para o cinema pelo pernambucano Heitor Dhalia, com Selton Mello no papel principal e o próprio Mutarelli no elenco.
Todos lançados pela Devir, os volumes estavam havia um bom tempo esgotados no catálogo da editora e eram vendidos a preço de ouro no mercado paralelo.
Antes do sucesso de Mutarelli como escritor, esses álbuns garantiram a sua consolidação como um dos grandes quadrinhistas do país.
Quando se avança na leitura (ou releitura) da reunião dos volumes em Diomedes – A trilogia do acidente, é notória a evolução narrativa e estética do autor paulistano, mostrando um exímio domínio na missão de deixar seus personagens tridimensionais.
A começar pelo próprio protagonista. Sua aparência asquerosa e seu caráter duvidoso fazem com que o leitor não simpatize de cara com o bonachão e sedentário Diomedes. Mas a sua naturalidade e seus maneirismos fazem as primeiras impressões caírem por terra.
Com a malemolência típica de brasileiro e sua “filosofia de botequim”, o ambicioso Diomedes confia na sua esperteza e experiência como policial para procurar o tal Enigmo, um mistério que serve de espinha dorsal para as tramas presentes nos tomos.
Mesmo assim, ele é tão fracassado que nem sua esposa, Judite, acredita no “potencial” de seus negócios, dando adeus ao tão sonhado sofá de três lugares para seu cafofo. Sem ter fé também no desgastado casamento de anos, a mulher “pula a cerca” sem muito critério, com o técnico de aparelhos televisivos.
Em O dobro de cinco, o leitor é apresentado a uma galeria de personagens bizarros que só cresce ao longo do enredo. A sequência em que Diomedes encontra um decadente circo, no qual um domador de leões drogado e sem o braço é pivô da dualidade de caráter do protagonista, é um dos pontos altos, assim como os toques fantásticos envolvendo o tarô e a espetacular perseguição que oferece um final de capítulo de tirar o fôlego – com direito a sugestão de trilha sonora: Paradise nevada, de John Gale e Bob Neuwirth.
Destaque também para o clima noir carregado pelo nanquim de Mutarelli e sua melancólica poesia existencialista. Um exemplo é quando o baixinho e rechonchudo Diomedes encontra sua mulher com as mãos em carne viva, esfregando com palha de aço uma colher que ela alega continuar ainda suja. Estupefato, o detetive revela que, na verdade, aquilo é o próprio reflexo dela no talher.
No segundo ato, O rei do ponto (lançado originalmente em 2000), Mutarelli muda de foco, colocando o detetive entre a cruz e a espada quando corruptos e inescrupulosos tiras o forçam, por meio de chantagem, a se envenenar aos poucos para capturar um assassino serial.
Nessa fase, a trama ganha quadros mais angulosos e uma sequência final ainda melhor que a primeira, com mais uma sugestão de trilha sonora. Vale a pena montar a singular audição da música Xiquexique, composta por Tom Zé e José Miguel Wisnik, para acompanhar a perseguição de um ladrão de carros pelo detetive montado em uma retroescavadeira.
As duas partes que formam A soma de tudo (lançados pela primeira vez em 2001 e 2002, respectivamente) levam Diomedes para além-mar, tornando-o um detetive intercontinental e fazendo-o se meter com uma misteriosa seita e os laços mágicos de Lisboa.
A obra sofreu uma reviravolta promovida pelos impactos causados na vida real do autor. Quando lançou O rei do ponto, Lourenço Mutarelli foi convidado a visitar Portugal durante o prestigiado Festival da Banda Desenhada de Amadora.
Além de se encantar, ele incorporou o país na trama de Diomedes, com direito a visitar o evento recheado de personagens que marcaram a vida do artista, como Corto Maltese, Tintim, Snoopy, Flash Gordon, Príncipe Valente e Mandrake, dentre outros ícones da Nona Arte.
O grau de detalhamento na obra nesta passagem é tão meticuloso, que também foi explicado pelo próprio autor em um posfácio republicado na coletânea, datado de 2001, ano em que seu pai morreu. A página inteira (268) em que Mutarelli retratou o portal da Igreja dos Jerônimos servia como uma espécie de oração enquanto ele estava no hospital.
O texto também revela que Diomedes foi inspirado em seu pai, um delegado da polícia que levava os inquéritos para casa e contava as piadas que serviram de falas para o detetive no papel.
Fechando o calhamaço do selo Quadrinhos na Cia., duas pequenas histórias inéditas do detetive que vão ficando sem arte-final até virar esboços à medida que avançam as páginas.
Destaque também para o belo trabalho da veterana letrista Lilian Mitsunaga, que redesenhou a fonte baseada na caligrafia original do próprio Mutarelli para a nova edição.
Recentemente, Diomedes ganhou, na categoria Melhor Publicação de Clássico, o 25º Troféu HQ Mix.
Diomedes - A Trilogia do Acidente
Autor: Lourenço Mutarelli (Roteiro & Arte)
Capa Cartão - 432 páginas
Miolo em Papel Pólem
Preço: R$ 59,90
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(Publicado originalmente no site Universo HQ no dia 2 de agosto de 2013)